2021 foi um ano imparável no que tange à questão da diversidade. Seja porque enquadrar-se nos quesitos de ESG tornou-se mandatório a toda e qualquer empresa, seja porque entendeu-se (finalmente) que empresas plurais geram visões plurais, o fato é que ter
quadros variados, com representantes de todos os gêneros, etnias, raças ou
simplesmente com legados distintos tem sido a procura que o RH trata de
endereçar. Entretanto, o crescimento da variedade e da composição de pessoas é
apenas o começo da resposta mais ampla. Precisamos usar a introdução da
diversidade no corporativo para um salto de compreensão cognitivo e emocional.
Somo sapiens, uma espécie mamífera
extremamente gregária que se organiza através de uma extensa rede de contatos.
Somos inatamente regidos pela necessidade de sermos vistos e reconhecidos como
membros do clã. Como espécie tribal, também somos ciosos de nossa cultura
grupal, pois ela nos dá narrativamente esse sentido de unidade e pertencimento.
Uma boa quantidade de indivíduos diferentes compondo o clã (seja ele uma
vizinhança, uma empresa ou qualquer outro coletivo) traz uma riqueza narrativa
importante, sem provocar diferenças irreconciliáveis que fragmentem o grupo. A
criação da cultura grupal - esse fenômeno humano único - marca as diferenças
entre os grupos. Provoca conflitos mas ao mesmo tempo é o que estende pontes de
comunicação entre os coletivos.
Em cada um de nós, o terreno onde a cultura finca suas raízes é sempre na subjetividade, naqueles espaços que chamamos o Eu e o Outro. Eu, na compreensão do que sou, do que desejo, do que me motiva; e o Outro como o espelho indispensável para me reconhecer como
Eu – seja na identificação, seja na oposição das atitudes grupais e culturais.
Identificar e aproximar-se do Outro é hoje uma necessidade fundamental das empresas. Por que isso está no topo das preocupações do pessoal de marketing, estratégias, vendas, operações e RH? Porque com a progressiva e implacável mudança de face do capitalismo para um consumo regido pelo valor da experiência ao invés do valor do produto, é no reino da subjetividade onde realmente as relações comerciais acontecem. Precisamos, como empresas, conquistar espaço nas memórias e afetos do consumidor para que ele nos permita acessar esse campo invisível onde suas decisões realmente são formadas. Gostamos de pensar que somos tomadores de decisão racionais, mas a coisa não é bem assim.
O exercício de acesso à subjetividade se faz mais rico quanto mais Outros eu puder acessar desde uma ótica de proximidade e familiaridade. Quanto mais variada for essa representação do Outro, mais cômodos com as diferentes subjetividades estaremos, com mais tranquilidade e perspicácia olharemos o resultado das experiencias que queremos vender. Entendemos assim a necessidade constante de termos o Outro diferente o mais integrado possível ao meu clã, à minha empresa.
Acolher e viver com o Outro entretanto não significa suprimir a diferença e o estranhamento inevitáveis. Pelo contrário. O exercício implica também a consciência que aquele espaço interno de muitos Outros pode sempre permanecer uma sombra incompreensível que nunca
acessaremos de verdade – e aqui empresas e pessoas tem que exercer a famosa
empatia. É um jogo de mistério eterno, que nunca finda, mas por isso mesmo sempre possível de ser reinventado a todo momento. Novas possibilidades – portanto novas experiências – surgem a cada minuto. A roda sempre vai girar. Essa é a real beleza que empresas espertasentendem e praticam.
Celebremos o Outro.
*texto originariamente publicado na Revista HSM 2022